simpósio temático "a cultura e as artes na ditadura militar" (Anpuh/PR)
apresentação
Em oposição e crítica ao regime militar brasileiro, instaurado por um golpe de Estado em 1964, diferentes formas de resistências foram articuladas no decorrer dos vinte e um anos de vigência da ditadura militar, até 1985. Assim como os movimentos sociais, sindicais e partidários, artistas e intelectuais não se mantiveram passivos à repressão e à censura que colocavam em xeque as liberdades de expressão e suas respectivas atividades profissionais.
Entretanto, a construção de uma unidade a partir do enfrentamento de um “inimigo comum”, não significou a extinção dos impasses político-ideológicos de diferentes setores da produção artística e cultural. Como assinalou o editorial do periódico Arte em revista, num volume especial sobre teatro engajado de outubro de 1981, era necessário “relativizar a possível coerência que muitos querem enxergar numa atividade regida pela economia de mercado, pelos modismos artísticos, pelo jogo das influências externas, como as relações com o Estado, a censura, etc.” De qualquer forma, a atuação dos mecanismos de controle e do aparelho repressivo estimularam a convergência de diferentes opiniões no sentido de uma ampla e complexa resistência cultural.
Assim durante pelo menos 10 anos, mais sintomaticamente entre 1968 e 1974, o regime militar, através de uma série de restrições, não só ignorou as principais demandas de artistas e intelectuais, sendo a liberdade de expressão a mais importante delas, como também os impediu de se comunicar com a sociedade brasileira, impondo-lhes a censura de peças teatrais, filmes, revistas, livros, jornais, publicidade, programas de rádio e televisão e também sujeitando-os a mecanismos de repressão como a perseguição, prisão, tortura e até morte de artistas e intelectuais.
Como se vê, este foi um período conturbado para artistas e intelectuais que não mais nutriam expectativas de unidade como outrora, dividindo-se cada vez mais. Diante do processo repressivo deixaram de lutar por questões mais amplas para reivindicar questões pontuais, transferiram a luta contra a censura das manifestações públicas para a esfera jurídica e, mais tarde, para o campo econômico, interiorizavam práticas de autocensura no processo de criação e também promoviam alianças táticas para enfrentar este estado de coisas.
Entretanto, a construção de uma unidade a partir do enfrentamento de um “inimigo comum”, não significou a extinção dos impasses político-ideológicos de diferentes setores da produção artística e cultural. Como assinalou o editorial do periódico Arte em revista, num volume especial sobre teatro engajado de outubro de 1981, era necessário “relativizar a possível coerência que muitos querem enxergar numa atividade regida pela economia de mercado, pelos modismos artísticos, pelo jogo das influências externas, como as relações com o Estado, a censura, etc.” De qualquer forma, a atuação dos mecanismos de controle e do aparelho repressivo estimularam a convergência de diferentes opiniões no sentido de uma ampla e complexa resistência cultural.
Assim durante pelo menos 10 anos, mais sintomaticamente entre 1968 e 1974, o regime militar, através de uma série de restrições, não só ignorou as principais demandas de artistas e intelectuais, sendo a liberdade de expressão a mais importante delas, como também os impediu de se comunicar com a sociedade brasileira, impondo-lhes a censura de peças teatrais, filmes, revistas, livros, jornais, publicidade, programas de rádio e televisão e também sujeitando-os a mecanismos de repressão como a perseguição, prisão, tortura e até morte de artistas e intelectuais.
Como se vê, este foi um período conturbado para artistas e intelectuais que não mais nutriam expectativas de unidade como outrora, dividindo-se cada vez mais. Diante do processo repressivo deixaram de lutar por questões mais amplas para reivindicar questões pontuais, transferiram a luta contra a censura das manifestações públicas para a esfera jurídica e, mais tarde, para o campo econômico, interiorizavam práticas de autocensura no processo de criação e também promoviam alianças táticas para enfrentar este estado de coisas.
justificativa
No ano de 2014 o golpe de 1964 completou 50 anos. Passado esse período, o marco histórico (e tudo que ele representa) vem se transformando numa oportunidade de examinar o fenômeno do autoritarismo e suas práticas, difundir as pesquisas sobre o regime militar, também expandi-las através de novas abordagens e fontes, tornando-as conhecidas de um maior número de interessados que, durante um longo período, esteve apartado dos espaços de discussão acerca dos rumos do país ou alijado do processo de construção democrática no Brasil.
Da década de 1970 até meados de 1990, as investigações que tomaram para análise esse aspecto estiveram, na maioria das vezes, diluídas ou no campo da cultura de massa. Uma leitura que por determinado tempo prevaleceu, em que a associação entre setores da esquerda intelectualizada e o mercado de bens culturais, bem como as ideologias das esquerdas culturais resultantes dessa combinação, eram definidas pari passu por uma proposição então muito usual nas ciências sociais, utilizada para explicar atipicidades geradas a partir da tensão entre engajamento político e indústria cultural: o populismo.
Contudo, se antes a “hegemonia cultural de esquerda” (Cf. SCHWARZ, 1978) pareceu o esboço de composição do amplo e diversificado leque ideológico na década de 1960, na forma de um front cultural, ainda assim deve se considerar as importantes e complexas transformações no cenário político e cultural que ensejou essa mesma hegemonia. Houve, pois, uma intensificação da produção cultural em todos os níveis, que favoreceu a relação mais próxima entre produtores culturais de esquerda e as organizações comerciais e de difusão cultural – estas, em expansão comercial nunca antes vista. O teatro, o cinema, as artes plásticas, a música, a literatura foram não somente alimentados por novas ideias e novos projetos políticos, frente à aparente distensão do governo militar instaurado em 1964, mas rearticularam-se no pós-golpe com a formação de novos públicos consumidores de cultura, devotados à questão do nacional-popular através do filtro da indústria cultural (NAPOLITANO, 2001, p. 55-120).
Constata-se, por exemplo, que entre abril e março de 1965 era transmitido pela TV Excelsior o I Festival da Canção Brasileira, que deu origem à chamada “era dos festivais” que se estenderia até início da década seguinte. Estreia na TV Record O Fino da Bossa, com apresentação de Jair Rodrigues e Elis Regina. No teatro, três estreias marcaram aquele ano: a peça Liberdade, Liberdade, escrita por Millôr Fernandes e Flávio Rangel, o Show Opinião, montado por Armando Costa, Oduvaldo Vianna Filho e Paulo Pontes, com a participação de João do Vale, Nara Leão e Zé Keti; o espetáculo Arena Conta Zumbi, de autoria de Augusto Boal, Gianfrancesco Guarnieri e música de Edu Lobo, entre outros. Glauber Rocha lançou o manifesto do Cinema Novo, intitulado A estética da fome. Organizou-se Opinião 65, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Também foi inaugurada a TV Globo. Na TV Record, outro programa de repercussão nacional marcaria o ano de 1965: a estreia do programa Jovem Guarda, com a apresentação de Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa.
Tal fortalecimento paulatino das produções culturais durante a ditadura militar é verificado pelo surgimento de novos periódicos, assim como pelo aumento significativo de obras bibliográficas editadas no Brasil. Ao mesmo tempo em que o governo militar determinava o fechamento de diversos espaços de articulação e discussão das esquerdas, outros tantos eram abertos a fim de promover a integração cultural do diversos grupos dispersos frente à desmobilização promovida pelo golpe de 1964. Entretanto, a produção resultante desse rissorgimento era constantemente “avaliada” por órgãos civis e militares, a fim manter um controle das manifestações culturais que se contrapunham ao pensamento oficial naquele momento (ORTIZ, 1988, p.114).
Da década de 1970 até meados de 1990, as investigações que tomaram para análise esse aspecto estiveram, na maioria das vezes, diluídas ou no campo da cultura de massa. Uma leitura que por determinado tempo prevaleceu, em que a associação entre setores da esquerda intelectualizada e o mercado de bens culturais, bem como as ideologias das esquerdas culturais resultantes dessa combinação, eram definidas pari passu por uma proposição então muito usual nas ciências sociais, utilizada para explicar atipicidades geradas a partir da tensão entre engajamento político e indústria cultural: o populismo.
Contudo, se antes a “hegemonia cultural de esquerda” (Cf. SCHWARZ, 1978) pareceu o esboço de composição do amplo e diversificado leque ideológico na década de 1960, na forma de um front cultural, ainda assim deve se considerar as importantes e complexas transformações no cenário político e cultural que ensejou essa mesma hegemonia. Houve, pois, uma intensificação da produção cultural em todos os níveis, que favoreceu a relação mais próxima entre produtores culturais de esquerda e as organizações comerciais e de difusão cultural – estas, em expansão comercial nunca antes vista. O teatro, o cinema, as artes plásticas, a música, a literatura foram não somente alimentados por novas ideias e novos projetos políticos, frente à aparente distensão do governo militar instaurado em 1964, mas rearticularam-se no pós-golpe com a formação de novos públicos consumidores de cultura, devotados à questão do nacional-popular através do filtro da indústria cultural (NAPOLITANO, 2001, p. 55-120).
Constata-se, por exemplo, que entre abril e março de 1965 era transmitido pela TV Excelsior o I Festival da Canção Brasileira, que deu origem à chamada “era dos festivais” que se estenderia até início da década seguinte. Estreia na TV Record O Fino da Bossa, com apresentação de Jair Rodrigues e Elis Regina. No teatro, três estreias marcaram aquele ano: a peça Liberdade, Liberdade, escrita por Millôr Fernandes e Flávio Rangel, o Show Opinião, montado por Armando Costa, Oduvaldo Vianna Filho e Paulo Pontes, com a participação de João do Vale, Nara Leão e Zé Keti; o espetáculo Arena Conta Zumbi, de autoria de Augusto Boal, Gianfrancesco Guarnieri e música de Edu Lobo, entre outros. Glauber Rocha lançou o manifesto do Cinema Novo, intitulado A estética da fome. Organizou-se Opinião 65, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Também foi inaugurada a TV Globo. Na TV Record, outro programa de repercussão nacional marcaria o ano de 1965: a estreia do programa Jovem Guarda, com a apresentação de Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa.
Tal fortalecimento paulatino das produções culturais durante a ditadura militar é verificado pelo surgimento de novos periódicos, assim como pelo aumento significativo de obras bibliográficas editadas no Brasil. Ao mesmo tempo em que o governo militar determinava o fechamento de diversos espaços de articulação e discussão das esquerdas, outros tantos eram abertos a fim de promover a integração cultural do diversos grupos dispersos frente à desmobilização promovida pelo golpe de 1964. Entretanto, a produção resultante desse rissorgimento era constantemente “avaliada” por órgãos civis e militares, a fim manter um controle das manifestações culturais que se contrapunham ao pensamento oficial naquele momento (ORTIZ, 1988, p.114).
bibliografia
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FICO, Carlos. Como eles agiam: os subterrâneos da ditadura militar: espionagem e polícia política. Rio de Janeiro: Record, 2001.
FICO, Carlos. História do Brasil contemporâneo: da morte de Vargas aos dias atuais. São Paulo: Contexto, 2015.
FICO, Carlos. O golpe de 1964: momentos decisivos. Rio de Janeiro: FGV, 2014.
FICO, Carlos. Reinventando o otimismo: ditadura, propaganda e imaginário social no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1997.
KUSHNIR, Beatriz. Cães de guarda: jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de 1988. São Paulo: Boitempo Editorial, 2004.
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. As universidades e o regime militar. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o “perigo vermelho”: o anticomunismo no Brasil (1917-1964). São Paulo: Perspectiva: FAPESP, 2002.
NAPOLITANO, Marcos. 1964: história do regime militar. São Paulo: Contexto, 2014.
NAPOLITANO, Marcos. Coração civil: arte, resistência e lutas culturais durante o regime militar brasileiro (1964-1980). São Paulo, 2011. Tese (Livre-docência em História) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo.
NAPOLITANO, Marcos. Seguindo a canção: engajamento político e indústria cultural na MPB (1959-1969). São Paulo: Anablume: FAPESP, 2001.
RIDENTI, Marcelo. Em busca do povo brasileiro: artistas da revolução, do CPC à era da TV. Rio de Janeiro: Record, 2000.
ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1986.
ROLLEMBERG, Denise; QUADRAT, Samantha (orgs.). A construção social dos regimes autoritários: Brasil e América Latina, volume II. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
SCHWARZ, Roberto. O pai de família e outros estudos. São Paulo: Paz e Terra, 1978.
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